quarta-feira, 10 de abril de 2013

Brasileiros contam como é fazer turismo na isolada Coreia do Norte.

Leia relatos de quem passou férias na fechada ditadura comunista.
Roteiro é rígido e com guia; tours não pararam mesmo com tensão política.

Guilherme Bahia com crianças norte-coreanos (Foto: Guilherme Bahia/Arquivo pessoal) 
O servidor público Guilherme Bahia com crianças norte-coreanas uniformizadas
(Foto: Guilherme Bahia/Arquivo pessoal)
Nem Japão, nem China, nem Índia. O país asiático escolhido para passar férias pelos três brasileiros entrevistados para esta reportagem foi a Coreia do Norte.
O fato de se tratar de um dos territórios mais fechados do mundo não foi um problema, mas  um atrativo para o publicitário Marcelo Druck, de 24 anos, o produtor de conteúdo Gabriel Prehn Britto, de 37 anos, e o servidor público Guilherme Bahia, de 34 anos, que estiveram por lá antes da mais recente crise entre Pyongyang e a comunidade internacional.
Eles queriam ver de perto como é a vida na isolada nação comunista, governada por uma ditadura desde os anos 1940. Tão isolada que alguns de seus moradores não sabem que o astro do pop Michael Jackson morreu, mesmo isso tendo acontecido em 2009.
“Fui eu que dei a notícia”, conta Marcelo Druck, que esteve no país no fim do ano passado. “Eles amam Michael Jackson e Madonna. Não conheciam música brasileira, mas coloquei para ouvirem e adoraram Wando e Pepeu Gomes”, completa.
Gabriel Prehn Britto com norte-coreanos (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Gabriel Britto com norte-coreanos
(Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
Eles amam Michael Jackson. Fui eu que dei a notícia de que ele tinha morrido"
Marcelo Druck, publicitário
O publicitário se interessou pelo país ao ler sobre o tema, e começou a juntar dinheiro para a viagem quando morreu o ditador Kim Jong-il, em 2011. “Parecia tudo tão exótico, tão diferente, que quis ver de perto”, diz. Ele chamou os amigos, mas “ninguém topou”, conta, rindo.
Assim como muitos turistas ocidentais que vão até lá, Marcelo fez o pacote de viagem com uma agência baseada na China, que cuida de todos os trâmites e documentos necessários.
A agência contratada por ele, chamada Koryo Tours, é britânica e promete colocar o turista “perto dos moradores locais” e dar as informações “mais exatas e detalhadas sobre o país e o que acontece por lá”.
Hannah Barraclough, porta-voz da empresa, disse ao G1 que são poucos os brasileiros que procuram o serviço. “Provavelmente, levamos menos de 20 por ano”, afirma.
Ela diz que a Coreia do Norte recebe anualmente cerca de 5 mil turistas ocidentais. Outras fontes citam um número mais baixo, de 2 mil a 3,5 mil pessoas. O número de turistas chineses é bem maior: estimado em 20 a 30 mil.
Segundo a porta-voz, a Koryo Tours leva cerca de 2,3 mil viajantes ocidentais ao país comunista a cada ano. Também organiza viagens de escolas de Hong Kong para lá, para promover intercâmbio cultural entre os estudantes.
Arco do triunfo em Pyongyang, na Coreia do Norte (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Arco do Triunfo em Pyongyang
(Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
Hannah garante que é seguro viajar para lá, mesmo com as ameaças recente do país comunista de começar uma guerra termonuclear na Península Coreana. “Pararemos de fazer o tour se considerarmos que é inseguro ou se a Embaixada Britânica nos disser para pararmos”, afirma.
Marcelo Druck diz que fica "aflito" com a situação atual porque se apegou aos guias norte-coreanos que o acompanharam na viagem.
"Até tentei pegar o endereço deles para manter contato nem que fosse por carta, mas eles não são autorizados a dar", diz.
Marcelo Druck na Coreia do Norte (Foto: Marcelo Druck/Arquivo pessoal) 
Marcelo Druck na viagem à Coreia do Norte (Foto: Marcelo Druck/Arquivo pessoal)
Roteiro rígido
Muitos viajantes vão à Coreia do Norte em grupos, mas Marcelo Druck preferiu contratar o pacote por conta própria. Como não é permitido ir completamente sozinho, ele teve a companhia (constante) de dois guias e um motorista.
Pararemos de fazer o tour se considerarmos que é inseguro"
Hannah Barraclough, porta-voz da agência de viagens Koryo Tours
O publicitário acredita que foi uma boa opção porque pôde sair um pouco do roteiro pré-programado, que costuma ser rígido. “Conquistei a confiança dos guias e pude ver algumas estátuas que não estavam no programa e até comprar uma camisa de futebol da seleção norte-coreana em uma loja de departamentos aonde só vão os moradores”, comemora.
Com a ajuda da agência chinesa, o visto (que custou cerca de 50 euros) saiu facilmente. “Foi o visto mais fácil que tirei na vida”, diz. O passaporte não foi carimbado na fronteira e ficou com os guias até a volta.
Um dos guias, um estudante de relações internacionais, falava português. A outra guia falava espanhol por ter morado em Cuba – ela inclusive conhecia novelas brasileiras, que via na TV cubana.
Ônibus de excursão pela Coreia do Norte (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Ônibus de excursão que leva o grupo aos passeios
(Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
Eles querem mostrar que são uma potência, que o comunismo norte-coreano é a salvação do mundo"
Gabriel Britto, produtor de conteúdo
Para Marcelo, a experiência valeu a pena. “Foi superprodutiva. Se não fosse tão caro, eu voltaria para lá”, afirma.
Ambos tinham interesse em conhecer a república comunista por ser um lugar totalmente diferente.
“Sempre fui meio aventureiro, gosto de me meter em 'buracos'. Fui visitar meu irmão, que morava na Coreia do Sul, e na última hora resolvi ficar pela Ásia e ir à Coreia do Norte”, conta Guilherme, que afirma ter se surpreendido com a facilidade para entrar na república comunista via agência. “As pessoas imaginam que é superdifícil, mas não é. Você paga pelo pacote e pelo visto, e pronto.”
Dois guias norte-coreanos e uma inglesa os acompanhavam. Logo no início da viagem, ouviram de um deles que se preparassem para uma jornada estilo excursão escolar, na qual as decisões não são tomadas pelos viajantes.
Gabriel conta que na prática, porém, a vigilância não foi tão intensa quanto ele imaginava. “O guia fica olhando as pessoas, mas não fica em cima de cada uma, o tempo todo", relata.
Segundo Guilherme, o clima de relativa confiança foi construído porque ninguém do grupo tentou fugir às regras. “Os guias pedem para que a gente não tente nada fora do esquema, e ninguém experimentou”, diz.
Grande Monumento Mansudae, um dos mais visitados por turistas na Coreia do Norte (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Grande Monumento Mansudae, um dos mais visitados por turistas na Coreia do Norte (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
A escolha dos passeios, porém, é toda montada para causar uma boa impressão nos visitantes. Hospedados em um hotel confortável, padrão 4 estrelas, os turistas são levados apenas às atrações que os norte-coreanos consideram ser uma vitrine do país. “Eles querem mostrar que são uma potência, que o comunismo norte-coreano é a salvação do mundo”, afirma Gabriel.
Guilherme Bahia dança com norte-coreanos (Foto: Guilherme Bahia/Arquivo pessoal) 
Guilherme Bahia dança com norte-coreanos
(Foto: Guilherme Bahia/Arquivo pessoal)
Isso incluía uma rotina intensiva de passeios durante mais de 12 horas por dia, que passavam não apenas por estátuas, parques e monumentos, mas também por fazendas (como uma plantação de maçãs e um criadouro de tartarugas) e fábricas (por exemplo, uma engarrafadora de água mineral).
As técnicas de cultivo e fabricação eram descritas minuciosamente pelos guias, o que podia se tornar cansativo. “Tem que estar preparado para momentos de tédio. Chegava uma hora em que eu já nem prestava mais atenção”, admite Gabriel.
Ele também diz que achou Pyongyang uma cidade feia, porém interessante. “É uma cidade grandiosa, cheia de monumentos, praças gigantes, mas está caindo aos pedaços. Tem poucas cores. Todos os prédios estão precisando de reformas”, descreve.
Arirang, ou "mass games", espetáculo típico da Coreia do  Norte (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Pessoas formam figuras durante o Arirang, ou "mass games", espetáculo típico da Coreia do Norte
(Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
Me senti dentro do livro '1984', de George Orwell. É um estado totalitário. Todas as pessoas pensam e agem igual "
Guilherme Bahia, servidor público
O ponto alto, tanto para ele quanto para Guilherme, foi ir ao Arirang, espetáculo também conhecido como “mass games”, no qual centenas de milhares de pessoas formam painéis humanos com desenhos variados. “É impressionante. Não deve nada a uma abertura de Olimpíada”, diz Guilherme.
O contato com o povo coreano foi dificultado pela barreira do idioma -- pouquíssimos falam inglês. Mas Gabriel diz que achou as pessoas muito receptivas e sorridentes. “Elas são curiosas, querem saber o que estamos achando do país. Quando ouvem que somos brasileiros, falam de futebol, de Ronaldo. Eles foram simpáticos até com os norte-americanos do grupo”, afirma.
Segundo Guilherme, a experiência fez com que ele se sentisse dentro do livro "1984", de George Orwell. “Você está em um estado completamente totalitário. Todas as pessoas pensam igual, agem igual”, afirma.
Gabriel acredita que o passeio agrada somente ao tipo de turista interessado em conhecer uma forma de vida diferente. “Se uma pessoa vai atrás de turismo normal não vai gostar. Tem que ir sabendo que você fará parte de uma encenação, que inclui atrações maravilhosas, mas outras bem chatas também. Tem que estar aberto.”
Parque em Pyongyang (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Parque em Pyongyang (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
Trem na Coreia do Norte (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Trem na Coreia do Norte; as fotos dos ditadores estão por todo o país
(Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
Fábrica engarrafadora de água mineral na Coreia do Norte (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Fábrica engarrafadora de água mineral, um dos passeios previstos no roteiro (Foto: Creative Commons/adaptorplug)
Torre da Ideologia Juche, em Pyongyang (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Torre da Ideologia Juche, que pode ser vista de vários lugares em Pyongyang
(Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
Espetáculo com crianças norte-coreanas (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Crianças se apresentam em espetáculo (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Curiosidades sobre o turismo na Coreia do Norte*
É seguro viajar para lá?
As agências que fazem os passeios garantem que sim. Como argumento, afirmam que a Coreia do Norte não aparece em nenhuma lista de países perigosos de visitar e tem baixíssimos níveis de criminalidade. Eles afirmam ainda que nunca tiveram problemas com as autoridades norte-coreanas e que elas apoiam o turismo. Mesmo neste momento de tensão entre as duas Coreias, as excursões continuam acontecendo e assegura-se que se houver risco, serão canceladas.
Quanto custa?
Quem for pela China deve pagar a passagem até Pequim e, de lá, embarcar na excursão com a agência. A Koryo Tours, uma das principais empresas nessa área, tem viagens em grupo por preços que começam em 790 euros (2 noites) e vão até 3.350 Euros (16 noites). O preço inclui deslocamentos, hospedagem e comida. Pacotes individuais costumam sair mais caros.
Won, o dinheiro norte-coreano, que não pode ser usado por turistas (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)Won, a moeda local, que não pode ser usada por
turistas (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
Que moedas os viajantes usam?
Turistas não podem usar a moeda local (o won norte-coreano). Devem levar euros, dólares ou yuan chinês, em espécie – já que o país não tem sistemas de cartões de crédito ou débito nem caixas eletrônicos.
Dá para ir sozinho?
Não é permitido viajar totalmente sozinho nem “vagar pelas ruas”. A viagem, mesmo que seja feita por apenas uma pessoa, deve ter o acompanhamento de guias autorizados.
É possível fazer contato com os moradores?
A principal dificuldade é o fato de pouquíssimos falarem inglês. As agências de viagem encorajam os guias a ajudarem na comunicação, mas não recomendam aos turistas “fazer perguntas sobre questões sensíveis”.
Hotel em Pyongyan, Coreia do Norte (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Quarto de hotel em Pyongyang
(Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
Como são os hotéis?
Os hotéis onde ficam os turistas em Pyongyang têm padrão 3 ou 4 estrelas e são equipados com bares, restaurantes, lojas, piscina, boliche e karaokê (uma das diversões preferidas dos norte-coreanos). Eles têm também ar condicionado, eletricidade confiável (graças a geradores próprios), água quente e canais de TV internacionais, como CNN e BBC. Já os hotéis fora da capital podem sofrer com falta de eletricidade e água quente.
Como é a comida?
As agências avisam que, apesar da situação de restrição de alimentos ter sido amenizada com a ajuda de organizações não governamentais do Ocidente, a oferta mal dá conta da demanda interna, e o país está longe de ter uma culinária excelente. “Algumas refeições são ótimas e outras, apenas boas o suficiente”, descreve uma das empresas de turismo. Repolho, ovos, batata, pão, arroz e carne frita ou assada são alimentos bem comuns. Carne de cachorro também faz parte de alguns pratos, mas quem não quiser provar não precisa. Frutas e chocolate são escassos, portanto o turista é orientado a levar esses itens se desejar.
Turistas tiram foto em atração dentro da zona desmilitarizada na Coreia do Norte (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Turistas tiram foto, com quadro dos ditadores no
fundo (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
É possível fazer fotos?
Em geral é permitido fotografar, mas quando não for, os guias avisam. Alguns exemplos são a viagem de trem entre Pyongyang e Pequim, lugares militarmente estratégicos, como a estrada até a Zona Desmilitarizada, o aeroporto e as estações de trem.

Quem sair do país de trem pode ter a câmera revistada, e os guardas podem pedir que sejam apagadas imagens que eles considerem ofensivas ao Grande Líder, que mostrarem áreas militares ou pobreza. Já em viagens de avião essa revista não é realizada.
O que é proibido levar?
Câmera com GPS, livros que falem do país, revistas sul-coreanas ou escritas em coreano, bandeira norte-americana ou sul-coreana e rádio.
Como se comunicar com amigos e familiares?
Celulares podem ser usados com um cartão SIM comprado no país, mas a internet não funciona. É possível fazer ligações do telefone fixo do hotel ou enviar e-mail a partir da conta do hotel, sem direito a retorno.
Fazenda cooperativa na Coreia do Norte (Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal) 
Fazenda cooperativa, outra atração do roteiro
(Foto: Gabriel Prehn Britto/Arquivo pessoal)
Que lugares podem ser visitados?
É a agência de viagens, em parceria com o órgão oficial de turismo da Coreia do Norte, que define a programação e as atrações que podem ser visitadas. Pyongyang, Nampo, Kaesong, Paekdusan, Samjiyon e Sinchon são alguns lugares onde os turistas costumam ser levados. Mas boa parte do país está fora de alcance mesmo para diplomatas e organizações não governamentais.
É preciso fazer reverência aos líderes? Sim, sempre que o guia norte-coreano disser para fazer reverência. Geralmente isso acontece diante de grandes estátuas de Kim Il-sung.
É possível fazer perguntas e argumentar com os guias?
As agências recomendam fazer perguntas de forma educada e evitar discutir com eles. “Os guias, como todos os norte-coreanos, têm crenças muito fortes que provavelmente diferem das de muitos turistas”, explica uma agência. “Seja respeitoso, não ria e guarde seus comentários para você até sair do país”, orienta outra.
Quem não pode entrar no país como turista?
Sul-coreanos, estrangeiros que morem na Coreia do Sul e jornalistas profissionais que não tenham se identificado como tais (é exigida uma permissão especial). Norte-americanos são livres para fazer turismo no país.
Flávia Mantovani Do G1, em São Paulo

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