Ao chegar às capitais dos Estados onde vão atuar, os médicos
formados no exterior contratados pelo governo para trabalhar em áreas pobres ou
remotas do país cumprem nesta semana a última etapa antes do início de suas
atividades. Mas disputas jurídicas e a resistência de associações médicas locais
ameaçam atrasar ainda mais o começo dos trabalhos, inicialmente previsto para
esta segunda.
O Ministério da Saúde diz que, nesta semana, os estrangeiros e brasileiros
formados no exterior e recrutados pelo programa Mais Médicos conhecerão
hospitais nas capitais dos Estados e se informarão sobre hábitos de vida e
doenças comuns na região. A pasta afirma que as atividades nas capitais foram
agendadas a pedido dos próprios médicos, que nas últimas três semanas
participaram de um curso preparatório do programa.
Com isso, o órgão prorrogou o início dos trabalhos em uma semana, para o dia
23, quando eles começarão a atender nos municípios onde serão alocados.
No entanto, resistências de conselhos médicos estaduais ameaçam atrasar o
registro desses médicos, etapa obrigatória para que trabalhem no país. Os
conselhos médicos de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul disseram que a
documentação apresentada por boa parte dos médicos estrangeiros está incompleta.
No Espírito Santo, dois médicos que se formaram fora do país tiveram o registro
negado.
O conselho do Ceará foi além e entrou na Justiça contra o programa. Na
quarta-feira, o órgão obteve uma liminar que o desobrigava a registrar médicos
não aprovados no Revalida – exame de revalidação de diplomas, normalmente
exigido para médicos não formados no país. O governo federal recorreu, e na
quinta-feira a liminar foi derrubada.
Agora, segundo o primeiro-secretário do conselho cearense, Dalgimar Beserra
Menezes, a associação aguarda ser informada oficialmente da decisão judicial
para definir os próximos passos.
"Se houver chance de recurso, não tenha dúvida de que vamos continuar
lutando", ele afirma.
Documentação
"Não somos contra cubanos, portugueses ou espanhóis, só estamos zelando pela
prática médica". Menezes diz que a posição do conselho busca tratar todos os
médicos de forma igual. "Por que alguns têm de cumprir uma série de ritos (para
obter o registro), e outros não?"
O conselho diz ainda que, mesmo que não consiga reverter a última decisão
judicial, não registrará boa parte dos médicos, pois eles não teriam apresentado
todos os documentos necessários. A lista de requisitos inclui cópia autenticada
e traduzida do diploma e indicação de um tutor brasileiro que o acompanhará na
função.
O órgão diz que, somente com a documentação completa em mãos, dará início ao
registro, que leva 15 dias para ser concluído.
"Não somos contra cubanos, portugueses ou
espanhóis, só estamos zelando pela prática médica."
Dalgimar Beserra Menezes, primeiro-secretário do Conselho de
Medicina do Ceará
Vinte e nove médicos (24 cubanos, dois espanhóis, dois portugueses e um
brasileiro) aguardam registro para participar do Mais Médicos no Ceará.
A Associação Médica Brasileira também pede à Justiça que médicos formados no
exterior sem o Revalida sejam impedidos de atuar no Brasil. Não há data para uma
resposta à ação, que será analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Ministério da Saúde diz que, caso obtivessem o Revalida, os médicos
estrangeiros poderiam atuar no sistema privado nacional. No entanto, como eles
trabalharão exclusivamente no sistema público, o órgão afirma que o exame é
desnecessário.
A pasta diz trabalhar para solucionar as falhas na documentação para o
registro dos médicos.
Nas últimas três semanas, o ministério organizou um curso preparatório para
os médicos, com aulas de português aos estrangeiros e informações sobre a
legislação e o sistema de saúde no país. Até agora, 410 médicos com diploma de
outros países se inscreveram no programa.
Principal bandeira do governo federal em saúde, o Mais Médicos tem causado
grande polêmica. Associações médicas brasileiras o criticaram duramente. Além de
condenar a dispensa do Revalida para médicos formados no exterior, elas afirmam
que o programa não ataca falhas centrais do sistema nacional de saúde pública,
como instalações precárias e falta de recursos.
O governo federal diz que investe para melhorar a estrutura do sistema e que
os estrangeiros só serão enviados para vagas não preenchidas por médicos
brasileiros.
Em sua primeira fase, o programa recebeu 1.096 inscrições de médicos
brasileiros. No entanto, segundo o Ministério da Saúde, só 47% se apresentaram
nos municípios onde iriam trabalhar. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha,
disse que eles serão repostos por outros profissionais.
João Fellet
Da BBC Brasil, em Brasília
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