Não é fácil ser homossexual no México. O país é o segundo no
ranking dos crimes de motivação homofóbica na América Latina – o primeiro é o
Brasil.
Também não é fácil ser prefeito em alguns Estados do norte, como Zacatecas,
objeto de uma furiosa disputa por parte dos Zetas e do Cartel do Golfo.
E que tal ser as duas coisas de uma só vez?
Foi isso que aconteceu neste domingo com Benjamín Medrano Quezada, que se
tornou o primeiro prefeito abertamente gay de Fresnillo, o município mais
importante de Zacatecas.
Menino artista
Falando por um telefone celular de um carro em movimento, Medrano Quezada
conta à BBC Mundo os feitos de uma vida colorida.
Relata que em 1972, aos seis anos de idade, viajou com o irmão de sua cidade
natal em Zacatecas para os Estados Unidos, onde se integraram a uma caravana
artística.
"Éramos os assistentes dos artistas e depois pedíamos dinheiro ao público",
disse. Dessa forma, os irmãos viveram três anos e meio, enviando dinheiro para o
sustento de sua família.
"Não havia telefone, nos comunicávamos por uma carta que demorava 30 dias
para chegar. E nessa carta mandávamos US$ 60 (RS$ 136) por mês."
Essa experiência marcaria para sempre sua existência: "viver sozinho, sem
meus pais, com muitas necessidades, mas em cidades onde as pessoas pensam
diferente, onde têm uma forma de vida diferente da que temos no México,
principalmente falando de respeito. E não apenas em relação à sexualidade, mas
ao ambiente, ao não fumar, ao não jogar lixo. Creio que isso foi parte da minha
formação".
Ele voltou ao México onde terminou seus estudos básicos e logo cursou
direito. Ao mesmo tempo continuou sua carreria de cantor – "animando bares e
festas" – e se integrou ao sindicato dos artistas. Lá, ao se transformar em
secretário, se lançou na política.
Todo esse tempo ele viveu sua sexualidade livremente, mas sem torná-la
assunto público.
Homofobia
No México – assim como quase em todo mundo – as estatísticas de crimes
homofóbicos não são claras.
Em maio, no Dia Internacional contra Homofobia e Transfobia, o diretor de uma
ONG indicou que o número de assassinatos cometidos contra homossexuais entre
1995 e março de 2013 era de 798.
Um deputado de esquerda, por sua vez, disse que os crimes cometidos entre
1995 e 2007 eram 627.
Mas no que todos parecem estar de acordo é que o México ocupa o segundo
lugar, depois do Brasil, no ranking desse tipo de crime na América Latina: só em
2012, uma organização ligada ao governo brasileiro registrou 336 crimes
considerados homofóbicos no Brasil.
Os números mexicanos não englobam todos os Estados. Segundo analistas,
poderiam ser o triplo. E debaixo dos números visíveis de assassinatos se
esconde, como um iceberg, uma realidade cotidiana de descriminação e abusos.
Foi essa realidade que fez Benjamín Medrano "sair do armário".
Campanha negra
Uma parada. A chamada telefônica caiu justo no momento em que o novo prefeito de Fresnillo contava sobre a violência que sentiu na própria pele. Como, durante a campanha eleitoral, começaram a circular rumores de que havia abusado de menores de idade.
Na nova chamada, ele retoma a conversação com a BBC Mundo.
"Invenções irresponsáveis sobre o mau que poderia ser feito a um povo ser
governado por uma pessoa de minha orientação sexual. Disseram isso publicamente
e contrataram uma empresa de telemarketing para telefonar todos os dias para as
casas das pessoas de Fresnillo para falar mal”.
Essa campanha negra fez Medrano Quezada assumir sua sexualidade de maneira
pública.
E para a surpresa de muitos, em uma área com reputação de ser conservadora e
machista, o candidato que aceitou publicamente ser gay ganhou por uma margem
ampla a prefeitura para o Partido institucional Revolucionário (PRI), no qual
milita.
"Para as pessoas o que menos importa é com quem você dorme ou o que faz de
sua vida privada. O que eles precisam é de resultados de seus governantes,
pessoas que não fiquem ricas. Eu creio que a orientação sexual, apesar de ser o
que provoca mais curiosidade mórbida, é o de menos".
Sem agenda gay
O que mais Benjamín Medrano ressalta em cada uma de suas entrevistas é que
não possui uma agenda marcada por sua sexualidade.
"Minha agenda é baseada no desenvolvimento social e humano de todos que
vivemos em Fresnillo, independente de sua orientação sexual", afirma.
Paradoxalmente, alguns dos ataques e críticas pós-eleitorais sugiram de
pessoas que dizem acreditar que ele não está suficientemente comprometido com a
causa gay.
Uma de suas declarações causou polêmica ao ser interpretada como contrária ao
casamento homossexual.
"O que eu disse é que não depende de um prefeito promover ou não o casamento
gay. Essa é uma tarefa exclusiva dos deputado, especialmente dos federais".
"Nunca disse que não sou favorável, serei um promotor dos direitos que temos,
mas não serei o impulsor (do casamento gay), porque eu não o faria em Fresnillo.
Inclusive eu disse que não me casaria", afirmou.
Guerra de cartéis
Mas em Fresnillo, município com população de 230 mil habitantes, há temas
mais urgentes. Nenhum deles é maior que a segurança.
Há alguns anos, o Estado de Zacatecas se converteu em um objeto de disputa
entre os Zetas e o Cartel do Golfo, já que é uma das principais rotas de tráfico
de drogas entre a costa do Pacífico e o nordeste do país.
E Fresnillo está no centro das linhas de disputa. Homicídios, extorsões e
desaparecimentos estão aumentando.
Em fevereiro deste ano cerca de dois mil pessoas realizaram uma marcha pela
paz nas ruas do município. Muitos dos participantes tinham uma história dolorosa
para contar.
Diante desse panorama, o que pode fazer o novo prefeito de Fresnillo?
"Naturalmente não é fácil. O que pretendemos fazer é, primeiro, equipar a
nossa polícia, certificá-la. Fazer com que a polícia passe por controles de
qualidade e dar a ela melhores salários para evitar que sejam cúmplices dos
grupos armados."
Desde 15 de setembro o debate sobre sua sexualidade deve deixar de prevalecer
no cotidiano de Quezada e será substituído por um outro, sobre a efetividade de
sua gestão.
Durante a entrevista com a BBC surgem muitas palavras sobre o que pode
ocorrer daqui por diante: pressão, expectativas, temor, transparência. Mas nem
uma vez foi mencionada a palavra medo.
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